Mazda 787B – Um carro diferente


O Mazda 787B, é a vários níveis um carro único na história da indústria e desporto automóvel. O carro ficou mundialmente famoso por representar a única vitória de um construtor japonês nas míticas 24 horas de Le Mans até à data. Foi também a única vitória de um carro com motor a funcionar segundo o ciclo de Wankel, mais conhecido por motor rotativo. Mas o mais incrível é que a vitória nas 24 horas de Le Mans foi a única do historial do modelo nas 21 corridas em que participou! De resto ficou-se por alguns lugares no Top-10 e um solitário 3º lugar nos 1000km de Fuji do Campeonato Japonês de Sport Protótipos.

No atletismo a prova favorita dos japoneses é a maratona, o espírito de sacrifício e capacidade de sofrimento dos atletas são muito valorizadas pela cultura japonesa. No desporto automóvel acontece precisamente o mesmo. Apesar das múltiplas vitórias de construtores japoneses no Mundial de Ralis e da Honda como fornecedor de motores na Fórmula 1, o fascínio dos nipónicos sempre foi para o Endurance e especialmente as 24 horas de Le Mans.

Por isso mesmo, na grande explosão dos construtores japoneses para a competição dos anos 80 do século passado, houve três construtores do país do sol nascente a tentarem de forma oficial vencer a prova. A Toyota e a Nissan realizaram investimentos monstruosos em inúmeras inovações no sprint para serem os primeiros a alcançarem tal desiderato. A Mazda, com meios mais modestos também tomou parte na prova ao longo dos anos, assim como esporadicamente no Campeonato do Mundo de Sport Protótipos. A Mazda destacava-se pela utilização dos motores Wankel nos seus modelos.




Pormenores do Motor Wankel

Tal como os orçamentos, os resultados foram sempre modestos, destacando-se o pódio na classe C2, destinada aos carros de grupo C fora da nova filosofia de motores de 3500cc semelhantes aos usados na Fórmula 1, na grande maratona de 1985. A partir de 1986 a Mazda passou a apresentar os seus carros ao abrigo da categoria GTP do campeonato IMSA, correndo integrados nessa categoria no campeonato Japonês e em Le Mans. Em 1991 o carro, apesar de continuar a ser basicamente uma evolução do 787 de 1990 passou a ser integrado na categoria C2 para assim poder alinhar no Campeonato do Mundo de Sport Prototipos, que não estava aberto a carros da classe GTP. Com a francesa Oreca a assistir os carros no “Mundial” e com o “Sr. Le Mans”, Jacky Ickx como consultor, conseguiram convencer a FIA a permitir que o Mazda corresse com um peso mínimo de 830kg, significativamente inferior ao mínimo da classe, que era de 1000kg. Provavelmente os paupérrimos resultados dos Mazda, aliados à influência de Ickx tiveram muito peso nesta decisão. As grandes diferenças técnicas para o anterior 787 eram a variação da admissão que passou a ser contínua e não por estágios e a colocação do radiador na frente e não nas laterais do cockpit.

Inicialmente foram construídos dois carros que, conjuntamente com um dos originais 787, correram no campeonato do mundo e no campeonato japonês, onde continuavam a correr na categoria GTP. Correria um carro no “Mundial” e dois na competição interna. A escolha do modelo que participaria em cada prova foi definida pela importância da mesma para a marca, o que significou que os 787B alternaram com o velho 787 tanto numa competição como noutra, o que não terá ajudado ao seu desenvolvimento. Os resultados foram discretos, tal como nos anos anteriores até que chegaram as 24 horas de Le Mans. Foram inscritos três carros, ambos os 787B e o antigo 787. O primeiro 787B, com o número 18 foi entregue a Maurizio Sandro Sala, Stefan Johansson e Dave Kennedy, o segundo, com o número 55 foi entregue a Johnny Herbert, Bertrand Gachot e Volker Weidler, pilotos contratados especificamente para esta prova, enquanto o 787, com o número 56 estava destinado a Pierre Dieudonné, Yojiro Terada e Takashi Yorino. Enquanto os carros 18 e 56 estavam decorados com a habitual pintura branca com aplicações de azul o carro 55 apresentou-se com uma berrante decoração de laranja choque e verde vivo, com o patrocínio da marca de roupa Renown, parceira da equipa desde 1988 e fornecedora oficial do vestuário.

Nas qualificações os três Mazda estiveram discretos, qualificando-se o #55 em 19º, o #18 em 23º e o #56 em 30º. Perante isto, Takayoshi Ohashi, o super conservador director da equipa tomou uma decisão surpreendente, tendo em conta as suas habituais estratégias. Confiando na fiabilidade e baixo consumo do 787B, aliado ao menor desgaste nos pneus devido ao menor peso, ordenou aos pilotos do carro #55 que pilotassem como uma corrida sprint se tratasse, enquanto o #18 faria uma corrida conservadora mais condizente com a filosofia de Ohashi-san. Em pouco tempo o carro #55 estava em quarto a tentar acompanhar o ritmo dos três Sauber Mercedes que lideravam a corrida. Até que, durante a noite, o primeiro Sauber teve que parar para substituir o fundo danificado por passar sobre detritos a alta velocidade e depois o Sauber que era pilotado entre outros por um tal de Michael Schumacher fez um pião e teve que recolher às boxes devido a um problema com a caixa de velocidades, o que fez o Mazda saltar para segundo. Era óbvio que o Sauber líder estava com problemas em achar o compromisso em termos de velocidade e utilização de combustível para manter o 787B à distância, até porque, tal como a Jaguar, a Sauber chegou à conclusão que os velhos grupo C eram bem mais rápidos em Le Mans, apesar das restrições ao consumo que os novos 3500cc não tinham e mais 100kg de peso, pelo que a Peugeot foi a única a fazer a prova na nova fórmula a nível oficial, isto pela única razão de não ter um “velho” Grupo C. Até que, às 22 horas de prova dá-se o golpe de teatro bem ao jeito de Le Mans, com o Sauber-Mercedes líder libertava fumo pela traseira. Um apoio do alternador partido levou à quebra da correia da bomba de água e consequente sobreaquecimento do motor e desistência quando já tinha quatro voltas de avanço para o Mazda.

Assim, de modo surpreendente o Mazda #55 com o seu motor de quatro rotores com 2616cc ganhou a prova, seguido dos três Silk Cut Jaguar com o seu convencional V12 de 7400cc e o Mercedes sobrevivente com esse tal de Michael Schumacher ao volante no quinto lugar qeuipado com um V8 Turbo de 5000cc. Logo atrás ficou o Mazda #18, com o seu andamento conservador até porque tinha montada uma relação de transmissão que privilegiava o consumo mas fazia perder 20 km/h para o #55 nas determinantes rectas de Le Mans. O velho 787 ficou em oitavo atrás do melhor Porsche, mas já a 16 voltas do primeiro. Johnny Herbert foi o piloto que levou o #55 até à bandeirada de xadrez, não deiva ter feito o último turno, mas pediu para se manter no volante na última paragem. Exausto e provavelmente desidratado por não ter sido substituída a garrafa de água nessa última paragem, não conseguiu ir ao pódio receber o troféu.

Pódio com Gachot e Wiedler, sem Herbert indisposto

Depois de Le Mans foi construído um terceiro 787B para substituir o chassis 002, que venceu a prova e foi por isso retirado da competição. Até final do ano apenas se destaca o terceiro lugar nos 1000km de Fuji do campeonato japonês. Nenhum piloto ficou sequer no top-ten quer do campeonato do mundo, quer do campeonato japonês. Definitivamente, não fosse a fabulosa vitória em Le Mans, este carro não sairia do anonimato.

Uma versão GTP do campeonato japonês, daí a ausência de faróis