Um pouco de história

Provavelmente o carro mais inovador da história da Fórmula 1 não foi o Lotus 78 com o seu efeito solo, nem o Brabham BT44 com o ventilador, nem o McLaren MP4/4 com o chassis totalmente em fibra de carbono.

Provavelmente o carro mais inovador da história surgiu muitos anos antes. Em 1935 o Dr. Ferdinand Porsche concebeu no seu gabinete de projectos um monolugar para a Auto Union, denominado Auto Union P-Wagen, completamente revolucionário para a época.

Até 1933 os Grandes Prémios eram dominados pelos construtores italianos como a Alfa Romeo, Bugatti e Maserati. Estando a indústria automóvel pouco desenvolvida a busca de performance obtinha-se com motores maiores e mais potentes, beneficiando da evolução dos motores, principalmente devido à indústria aeronáutica. Com a escalada de potência, associada ao aumento de peso dos motores, os acidentes fatais sucediam-se, pelo que a AIACR (Associação Internacional dos Clubes Automóveis Reconhecidos), que regulava os Grandes Prémios na Europa, decidiu limitar o peso máximo dos monolugares a seco a 750kg, o que pela tecnologia e materiais da época limitaria a cilindrada dos motores a 2500 cm3 segundo estimativa da AIACR.

Porém estávamos no apogeu do regime nazi que procurava demonstrar a supremacia ariana através do desporto automóvel também, subsidiando os programas desportivos dos dois grandes construtores alemães de então, a Mercedes-Benz e a Auto Union. Criavam-se assim ídolos alemães para as massas na figura dos pilotos e demonstrava-se a supremacia tecnológica dos seus engenheiros.

Assim Porsche, que pertencia à AIACR e assim influenciou os novos regulamentos projectou e a Auto Union construiu, recorrendo a materiais exóticos para a época, só ao alcance de uma equipa subsidiada pelo Reich, um monolugar dentro do peso máximo, com o depósito de combustível atrás do banco do piloto e atrás deste um motor V16 de 4400 cm3 debitando 295 hp. Sim, mais de 25 anos antes da Cooper, já a Auto Union vencia corridas com um carro de motor central traseiro. Ferdinand Porsche já havia tentado anteriormente, em 1923 com o Benz Tropfenwagen, um projecto abandonado prematuramente então.

Além disso o chassis tubular pesava apenas 40 kg e a carroçaria de alumínio 50 kg. O facto do depósito se situar entre o piloto e o motor destinava-se a que o comportamento do carro não variasse muito com a diminuição de quantidade de combustível no depósito.

O motor V16 foi pensado para obtenção do maior binário possível em deterimento de alguma velocidade de ponta. Apesar de cerca de 35 hp menos potente que os Mercedes Benz o seu binário era fabuloso e disponível desde rotações muito baixas. Dizia-se até que tinha uma faixa de utilização tão ampla que podia fazer uma volta em qualquer circuito sem fazer nenhuma passagem de caixa.

Mas nem tudo foi fácil, a primeira barreira foi convencer Hitler a dividir o subsídio que este havia destinado à Mercedes em duas partes iguais, o que conseguiu numa visita do Fuhrer à fábrica da Auto-Union. Vencido o primeiro obstáculo em 1933 foi assinado o contrato entre Porsche e a Auto Union que era muito ambicioso, no mínimo, ou vejamos, os requisitos que teria que obedecer:

- O motor deveria desenvolver 250hp às 4500 rpm

- Deveria pesar no máximo 800kg sem pneus, gasolina, óleo e água, 750kg a partir de 1934 quando entrasse em vigor o novo regulamento

- Deveria percorrer ininterruptamente 10 voltas no circuito de Avus, alcançando 250km/h.- Seria considerado completamente entregue quando vencesse à geral uma corrida internacional

Nascia assim o P-Wagen (Porsche-Wagen) que a 12 de Janeiro de 1934 já cumpria os 3 primeiros requisitos. No final do mês era capaz de correr ininterruptamente 40 voltas no circuito de Avus.

A 6 de Março de 1934 o Auto-Union P-Wagen batia os primeiros recordes mundiais de velocidade. Com Hans Stuck ao volante bateu o recorde da hora (217,110Km/h), o recorde de 200km (217,018 Km/h) e o recorde das 100milhas (216,875Km/h).

Uma ideia que foi abandonada ainda no início do desenvolvimento foi o de aproveitar o chassis tubular para conduzir o fluido de refrigeração do radiador, na frente até ao motor na traseira, pois os pilotos queimavam-se constantemente quando tocavam nos tubos escaldantes.

Apesar de menos potente que o Mercedes-Benz da época, era bastante mais eficaz equilibrando assim o deficit de potência e repartindo vitórias por toda a Europa em Grandes Prémios e em provas de rampa, de grande importância então.

Na realidade o carro foi definitivamente demasiado revolucionário para a época, principalmente para pneus arcaicos e suspensões desse tempo. Os pneus não transmitiam a aderência necessária pois os esforços de tracção aliados ao maior peso no eixo traseiro eram demais para as construções e borrachas existentes e as suspensões não conseguiam transmitir uma boa sensibilidade da traseira ao piloto, aliadas ao facto deste estar muito chegado à frente, não lhe permitia perceber quando a traseira derrapava em demasia. Este comportamento não seria tão imprevisível quanto isso, simplesmente os pilotos não estavam habituados a tal configuração mecânica. Nas provas de rampa chegou-se mesmo a uma solução curiosa, com rodados duplos para facilitar a pilotagem nas estradas mais estreitas e sinuosas.


O carro era muito difícil de pilotar e fácil de perder a traseira a cada curva. Por isso, apesar de diversos pilotos terem alcançado vitórias ao seu volante, apenas dois dos maiores pilotos de todos os tempos conseguiram tirar o máximo do carro: Bernd Rosenmeyer e Tazio Nuvolari.

O carro foi pilotado em 1934 por Hans Stuck, vencendo o campeonato alemão de montanha e três Grandes Prémios (Alemanha, Suiça e Rep. Checa, não havia então nenhum campeonato para Grandes Premios), debatendo-se com o comportamento difícil mas aproveitando a excelente aceleração (o maior peso da traseira facilitava na hora do colocar os cavalos no asfalto) e velocidade de ponta (a aerodinâica era outro dos pontos fortes do carro de motor central traseiro). No final do ano teve ainda tempo para regressar a Avus para bater mais cinco recordes (1km, 1 milha, 50km, 50 milhas, 100km, arrancando de uma posição estática)

(continua)

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