Pierre Eugène Alfred Bouillin, conhecido nas corridas por Pierre Levegh foi um atleta de grande nível no hóquei no gelo e no ténis, mas que ficou indelevelmente ligado ao automobilismo e às 24 horas de Le Mans em particular.
Começou a competir relativamente tarde, aos 32 anos, em 1937, tendo participado na maratona francesa pela primeira vez nos dois anos seguintes, que coincidiram com as últimas duas edições da prova antes da eclosão da II Guerra Mundial. Sempre com a Talbot, fazendo equipa primeiro com Jean Trévoux e em 1939 com Luigi Chinetti, registou dois abandonos.
Com o renascer do desporto automóvel após o conflito, Pierre, cuja alcunha Levegh resultava de uma homenagem ao seu tio Alfred Velghe, um pioneiro do desporto automóvel falecido um ano antes do nascimento de Pierre, sendo Levegh um anagrama de Velghe, voltou a competir, sempre com a Talbot, tendo mesmo corrido seis Grandes Prémios entre 1950 e 1951, com máquinas obsoletas registando três abandonos e como melhor resultado um sétimo lugar no Grande Premio da Bélgica de 1950. Voltou em 1951 a Le Mans registando um quarto lugar. Foi no entanto em 1952 que o seu nome começou a ficar marcado na história da prova. O resultado final foi um inglório abandono, mas a corrida de Levegh ficou para sempre associada às lendas da maratona francesa. Isto porque Levegh foi obrigado a desistir devido a uma falha do motor do seu Talbot já na última hora de prova, depois de o francês ter feito a prova a solo! Aliás, a avaria do motor foi atribuída a uma falha numa passagem de caixa motivada pela fadiga extrema do piloto. O pior é que Levegh liderava a prova com quatro voltas de avanço, tendo a vitória na mão! Mais dramático era impossível…
Sempre com a Talbot voltou a Le Mans em 1953 e 1954, somando um oitavo lugar e um abandono respectivamente.
Com a retirada da Talbot, os feitos de Levegh com maquinaria muito desactualizada não passavam despercebidos a outras equipas, sendo contratado pela todo poderosa Mercedes-Benz que procurava emular no Endurance o regresso triunfante que vinha protagonizando desde o ano anterior nos Grandes Prémios. Com uma equipa de luxo, destcando-se a dupla do carro com o dorsal 19, que contava “apenas” com Stirling Moss e Juan Manuel Fangio, apoiados pelo carro 20 de Levegh e o norte-americano John Fitch e o 21 de Karl King e André Simon. Os grandes rivais eram os Jaguar D-Type liderados pela dupla Mike Hawthorn e Ivor Boeb, segundos em 1954.
A corrida começou verdadeiramente frenética, com Fangio e Hawthorn a digladiarem-se com se um verdadeiro Grande Premio se tratasse e ninguém diria que era uma prova de endurance. Até que, com duas horas e vinte cinco minutos de prova se dá a tragédia.
Hawthorn liderava seguido de muito perto por Fangio, quando se aprestavam para dobrar Levegh pela primeira vez na corrida. Ao entrar na recta da meta ultrapassa Levegh e de seguida o Austin Healey de Lance Macklin. Entretanto o francês iniciou a ultrapassagem ao bem mais lento Austin Healey pela esquerda também, quando Hawthorn trava e guina para a direita para parar nas boxes para reabastecer. O Austin Healey surpreendido trava e guina para a esquerda para evitar o Jaguar. Ora, à sua esquerda estava o Mercedes 300 SLR de Levegh que embateu, a cerca de 240 km/h no carro de Macklin sendo catapultado contra a barreira lateral da pista e daí para a bancada principal.
O Mercedes explodiu e desintegrou-se com o capot a constituir uma autêntica lâmina voadora que decapitou e decepou várias pessoas. O conjunto do bloco do motor e eixo dianteiro constituíram uma verdadeira bala de canhão quem esmagou diversos espectadores e a carroçaria em magnésio incendiou-se, sendo este metal facilmente combustível e a sua chama particularmente difícil de extinguir. O Austin Healy desgovernado entra em sucessivos peões e acaba por embater também nas bancadas esmagando também três pessoas. O resultado foi catastrófico, com 82 pessoas a perderem a vida, incluindo Levegh e 76 ficaram amputadas. Juan Manuel Fangio narrou depois que Levegh ainda terá levantado a mão para o avisar do acidente eminente, o que lhe permitiu evitar envolver-se.
Apesar da tragédia e do cenário dantesco, a prova não foi interrompida, em parte para evitar que o público, ao abandonar o recinto ou a tentar chegar perto do local do acidente congestionasse as vias de acesso impedindo a chegada e partidas de ambulâncias e carros de bombeiros.
Como consequência directa a Mercedes optou por retirar, cerca de quatro horas e meia os dois carros ainda em prova, incluindo o carro 19 que liderava, por ordem expressa da Administração.
No entanto nos tempos seguintes as consequências foram de maior porte, com diversos países a proibirem as competições automóveis até que se criassem regras rigorosas de segurança, como em França ou Alemanha, ou a Suíça que proibiu as corridas em circuitos até 2007! A Mercedes abandonou as competições assim como a Bristol Cars, que fez 1-2-3 na categoria até 2 litros , assim como outras marcas.
Foi realizada uma homenagem às vítimas do acidente na catedral de Le Mans, na segunda feira a seguir à prova.
Pierre Levegh foi sepultado no cemitério Pere Lachaise em Paris.
Dantesco!
ResponderEliminarEstes antigos não tinham muito jeito para passar despercebidos.
Excelente artigo. Desconhecia quer o protagonista quer a história. O pormenor dos frames do acidente está delicioso.
Abraço!
Belíssimo.
ResponderEliminarObrigado por este artigo que muito embora relate um assunto já conhecido, é abordado segundo um ponto de vista inédito.
De facto está aqui em causa, a homenagem a um talento que sinceramente desconhecia. Uma história interessante sobre um homem que foi de facto herói, tanto pela parte positiva, como pela parte mais negra dos acontecimentos, pois protagonizou o mais trágico e catastrófico acidente do desporto automóvel.
Devo salientar um pequeno aspecto que terá sido porventura a principal razão que desencadeou esta verdadeira nódoa dos desportos motorizados.
Encontrava-se a Jaguar pela primeira na hiostória do automobilismo, a utilizar travões de disco. Quando Hawthorn ultrapassa o Austin Healey e guina subitamente para a direita para entrar nas boxes, surpreende o piloto do "Healey" com a eficácia da poderosíssima travagem do Jaguar. De forma a evitar entar pela traseira de Hawthorn, faz então a manobra que desencadeou tremenda catástrofe.
Parabéns Pedro por mais este excelente artigo.
Muito bem, Pedro.
ResponderEliminarUm episódio marcante do desporto automóvel. Teve enúmeras consequências para o futuro das competiçoes motorizadas na Europa. E apesar da perigosidade do uso de magnésio ter sido assinalada neste acidente, este material ainda foi usado até mesmo na F1, resultando em mais acidentes mortais (como acidete com o Honda do Jo Schlesser).
Abraço,
Hugo