McLaren F1

O supercarro levado a outro nível

O McLaren F1 foi o primeiro carro de estrada do popular construtor de Fórmula 1 e foi um carro muito especial. Mesmo dentro do universo muito exclusivo dos Supercarros. Ainda hoje, quase vinte anos após o seu lançamento, é o carro de produção com motor atmosférico mais rápido do mundo.

A ideia veio da cabeça do genial projectista da equipa de Fórmula 1, Gordon Murray, que foi responsável por alguns dos mais arrojados projectos desde finais da década de 1970 até inícios da década de 1990, primeiro na equipa Brabham, como o BT46B, mais conhecido por Brabham “aspirador”, os campeões BT49 e BT52 pelas mãos de Nelson Piquet em 1981 e 1983 respectivamente e o falhado BT55. Já com a McLaren o seu primeiro projecto foi o fabuloso MP4/4 que venceu 15 das 16 corridas de 1988, falhando apenas a vitória no GP de Itália depois de uma desatenção de Ayrton Senna numa dobragem levar à colisão com o Williams de Jean Louis Schelesser e consequente abandono quando liderava isolado, assim como os conseuentes projectos campeões até 1991, altura em que passou para a recém formada McLaren Cars, cujo objectivo era precisamente construir o F1. Mas a ideia nasceu alguns anos antes, precisamente nesse azarado GP de Itália de 1988. No regresso a Inglaterra após a corrida, no avião, Gordon Murray fez um esboço de um desportivo com três lugares que propôs ao patrão Ron Dennis, defendendo que era chegada a altura de a McLaren construir a referência dos super-desportivos. Sabido o desejo de Ron Dennis em tornar a longo prazo a McLaren uma espécie de Ferrari inglesa, este não enjeitou o repto.

Inicialmente Gordon Murray serviu-se de referência para os parâmetros do carro, nas marcas tradicionais da época, Ferrari, Porsche e Lamborghini, até visitar com Ayrton Senna o Centro de Pesquisa da Honda em Tochigi, aquando das acções de marketink para o lançamento do Honda NSX, em que ficou maravilhado com a qualidade do chassis e facilidade de condução do modelo japonês. A partir daí o objectivo em termos de comportamento passou a ser o carro nipónico. Dada também a aprceria com a Honda, a opção óbvia para equipar o carro era um motor do mesmo construtor. Porém o V6 com 3,0 litros do NSX não era suficientemente potente para os objectivos de prestações de Murray e tentou convencer a Honda a construir um motor com 4,5 litros e arquitectura V10 ou V12, mas os japoneses não se mostraram interessados em projectar um motor que não tinha aplicação em nenhum carro da sua gama e sendo irredutíveis na sua decisão, o motor escolhido, apesar do assédio da Isuzu, que pretendia fornecer um motor que preencheria os requisitos, acabou por ser um V12 com 6,1 litros de origem BMW, sempre atmosférico, pois foi, desde o início, assim determinado pelo facto dos motores naturalmente aspirados permitirem uma maior fiabilidade e facilidade utilização pela entrega de potência mais linear, até porque temos que recordar que tais considerações foram feitas há vinte anos atrás, basta ver que o primeiro turbo de geometria variável num carro a gasolina apareceu no Porsche 997 Turbo de 2006, ou seja quinze anos após o F1 ter sido apresentado.

Escolhido o motor, o passo seguinte foi adquirir dois Ultima MK3 que foram modificados, sendo montado num o motor BMW para ser testado ao mesmo tempo que se desenvolviam o sistema de escape e o sistema de refrigeração enquanto no outro montou-se um motor comprovado, com binário semelhante ao do BMW para testar transmissões e suspensões, sendo escolhido um Chevrolet V8 com 7,4 litros. Uma vez obtidos os resultados pretendidos estes dois carros foram destruídos para evitar a associação do desenvolvimento do F1 aos mesmos.

Concept Car sem piscas na frente e os espelhos no topo do Pilar A

O carro foi apresentado ao público, ainda como concept car, com a designação de XP1, no Automobile Club de Mónaco, a 28 de Maio de 1991, sendo a versão apresentada praticamente igual à versão final, com duas pequenas alterações. Foi rejeitada a sua homologação por não ter luzes de mudança de direcção, ou seja, os vulgares “piscas” na frente, uma vez que Murray optou por incluir as luzes nos espelhos, solução que acabou por ser optada como complemento por muitos construtores no futuro. Foi alterada também a posição dos mesmos espelhos, que originalmente se situavam quase no topo do Pilar A da carroçaria, para o topo dos guarda-lamas. No entanto muitos dos clientes, depois de adquiridos os carros, solicitou que fossem montados os espelhos do protótipo ao invés dos homologados.

Versão definitiva com nova localização de espelhos e piscas

O carro espantou pelas arrojadas mas simultaneamente belas linhas, os três lugares, com o condutor em posição central, tal como num monolugar e os dois lugares laterais mais recuados para melhor acesso e visibilidade do condutor. Mas o arrojo foi ainda maior nas opções técnicas empregues. A McLaren não fez concessão nas escolhas, apenas os melhores materiais e tecnologias, nascendo assim o primeiro carro de estrada com monocoque em fibra de carbono, com as suspensões a serem ancoradas a pontos específicos em magnésio inseridos na fibra de carbono durante a assemblagem da mesma. Apenas a secção traseira, devido às enormes variações de temperatura a que estaria sujeita pelo motor não foi executada em carbono. Outra preciosidade foi o uso de película de ouro no revestimento do compartimento do motor e dos tubos e silenciosos de escape, devido a ser um reflector de calor por excelência. De entre outros materiais exóticos aplicados destacam-se o titânio e o kevlar. A segurança do carro ficou demontrada na Namíbia, durante uma sessão de testes, em que o condutor de serviço, apenas de calções e t-shirt embateu numa pedra de razoáveis dimensões a alta velocidade, levando o carro a dar diversas cambalhotas e saindo ileso. Nos crash-test habituais a 50km/h contra o bloco de aço, o arco e cava das rodas da frente ficaram intactos, mantendo a sua forma original, só para ter uma ideia da resistência do chassis em fibra de carbono. Tudo isto para um peso final de 1140kg, dos quais 266kg eram da responsabilidade do motor. Apesar desta preocupação com o peso e performance o carro possuía uma lista de equipamento bastante considerável para um super-desportivo de então, destacando-se o ar condicionado, auto-rádio com capacidade para 10 Cd, fecho centralizado, vidros eléctricos, auxiliares de abertura das portas “borboleta” e até conjunto de malas a condizer com os estofos do carro, com as dimensões ideais para arrumar nos compartimentos de bagagem do carro e mesmo um saco com tacos de golf, tudo de série.

Aerodinamicamente o carro apresentada um coeficiente de arrasto de apenas 0,32, contra os 0,36 do Bugatti Veyron. O carro não possuía nenhum aileron, recorrendo ao um extractor no fundo do carro e a duas ventoinhas à imagem do que Murray fez no Brabham BT46B. Havia um pequeno aileron na traseira que apenas era accionado em travagens a alta velocidade para contrariar a transferência natural de peso para a frente do carro.

O motor BMW V12 acabou por ter 627 cavalos e pesar 266kg, ultrapassando os 550 cavalos e 250kg requeridos por Murray. Um motor com toda a tecnologia comprovada à época, destacando-se as válvulas de geometria variável, injecção sequencial ou o revestimento do interior dos cilindros a Nikasil, um material de reduzido atrito e alta durabilidade. Para ter uma ideia da tecnologia empregue no motor, basta ver que foi este mesmo propulsor, o utilizado pela BMW para vencer Le Mans em 1999. O motor apresentava um consumo médio de 15,5l/100km e um consumo em condução desportiva de 25,3l/100km.

Na altura em que foi apresentado, o carro de estrada mais rápido do mundo era o Ferrari F40, com 324 km/h, entretanto em 1992 o Bugatti EB110SS e em 1993 o Jaguar XJ220 colocaram o recorde em 346km/h e 349,2km/h respectivamente. De notar que o valor obtido pelo Jaguar foi produzido após remoção do catalisador, pois com o mesmo o valor foi de 343 km/h, ou seja, um valor inferior ao Bugatti em configuração legal de estrada. O McLaren pilotado por Jonathan Palmer registou no anel de velocidade de Nardo em Itália, segundo os requisitos, uma velocidade de 371,8 km/h, em 1994, recorde que se manteve até 2005. No entanto o limite para este valor não foi a falta de potência e binário para vencer o arrasto de tão alta velocidade mas o limitador de rotação do motor. Assim, sem o limitar de rotação às 7500rpm activo, o carro atingiu 391,4 km/h aproximadamente às 7800rpm. Se observarmos que a potencia máxima do motor é disponibilizada às 7400rpm, podemos concluir que acrescentada uma sétima relação ou com desmultiplicações reajustadas era possível obter um valor ainda superior. De referir que se desconhecem tentativas do Dauer 962 em registar uma tentativa válida de recorde.

McLaren F1 LM

Foram construídas 64 unidades de estrada do F1, vendidas ao preço de cerca de um milhão de dólares, e cinco protótipos de desenvolvimento. Surgiram mais tarde duas variantes, o F1 LM, uma réplica da versão de competição que venceu as 24 horas de Le Mans em 1995, em que o motor, versão competição, sem restrictores de admissão, disponibilizava 680 cavalos, o peso reduzido em 76kg pela retirada do sistema de áudio, ar condicionado, isolamento acústico e outras “mordomias” da versão original. A carroçaria é igualmente uma réplica da versão de corrida, incluindo aileron traseiro, splitter dianteiro e entradas de ar dianteiras redesenhadas. Devido ao maior arrasto aerodinâmico e downforce o carro, apesar de uma maior potência a velocidade de ponta era “apenas” de 362 km/h. Desta variante foram construídas 5 unidades de estrada e um protótipo.

A família civil F1, F1 LM e F1GT

Mais tarde, com a transformação do campeonato BPR onde competia em Campeonato FIA-GT, houve necessidade de desenvolver extensivamente o carro, nomeadamente a nível aerodinâmico, surgindo o F1 GT, que replicava o F1 GT-R que competiu nesse campeonato, com excepção da enorme asa traseira, porque se chegou à conclusão que a carroçaria alongada já mobilizava downforce suficiente. Apesar da profundamente modificada carroçaria, esta era montada sobre a mecânica do F1 original. Desta versão foram construídas duas unidades de estrada.

Vistas do F1 GT

A longa traseira do F1 GT

Em competição houve três versões, designadas GT-R, sendo distinguidos pelo ano de construção. As primeiras unidades apareceram em 1995 e correspondem à versão vencedora das 24 horas de Le Mans desse ano. As versões de 1996 pouco diferem das do ano anterior, apenas com um ligeiro aumento das cotas da carroçaria e uma redução de peso. A versão de 1997 diz respeito à versão alongada que competiu no FIA GT, sendo neste caso a capacidade do motor reduzida para 6,0L por questões regulamentares e o peso reduzido para 910kg, sendo a versão final do carro.

Destaque aqui pela vitória à geral nas 24 horas de Le Mans de 1995, em que ficaram quatro McLaren nos cinco primeiros lugares, apenas com o Courage-Porsche da categoria de Sport-Protótipos a intrometer-se no segundo lugar. A vitória foi para o carro número 59, inscrito pela Kokusai Kaihatsu Racing, assistido pela Lazante Motorsports e pilotado por Yannick Dalmas, Masanori Sekiya e JJ Lehto. Sekiya tornou-se no primeiro japonês a vencer a prova. Os melhores GT1 não McLaren ficaram em 10º lugar, um Nissan Skyline GT-R LM já a 27 voltas e o famoso Ferrari F40 número 34 “Pilot” em 12º lugar, uma volta atrás. A título de curiosidade, o carro vencedor, ao contrário da maioria dos outros F1 de competição, não foi construído de raiz para a competição, sendo adaptado dum modelo de estrada. Dos sete McLaren que se apresentaram à partida apenas dois não atingiram o fim da prova. No total os McLaren lideraram a corrida em todas em 284 voltas, apenas não estando na liderança em 13 das primeiras 15 voltas, isto apesar de uma desvantagem de 30 km/h em velocidade de ponta para os melhores Sport-Protótipos.

F1 GT-R de 1995

O carro vencedor de Le Mans em 1995

Em 1996 os resultados na clássica foram mais fracos, devido à entrada em cena da Porsche a nível oficial com o Porsche 911 (993) GT1 e de modo semi-oficial, com a Joest, que inscreveu dois Sport-Protótipos de chassis TWR cujo desenvolvimento foi pago pela Porsche que forneceu também os motores. O Joest-TWR venceu, seguido pelos dois Porsche 911 que venceram a classe GT1, ficando os McLaren em 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 11º, a que corresponderam o 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 10º lugar da classe GT1. Curiosamente o único McLaren a desistir foi o da equipa vencedora da edição anterior, embora um carro diferente, pois o carro de 1995 foi retirado da competição.

F1 GT-R de 1997

Em 1997 entraram em cena os F1 GT-R derivados do F1-GT, semelhantes aos participantes no novo FIA-GT, sendo a grande diferença a possibilidade de uso de sistema de travagem com ABS, interdito no FIA-GT. A outra grande diferença era um maior diâmetro nos restrictores dos motores turbo, o que não afectava os McLaren atmosféricos mas benficiava os Porsche 991 GT1 Evo, que se apresentaram bem mais competitivos que no FIA-GT. Ainda assim voltou a vencer o Joest-TWR, ficando os restantes lugares do pódium e a dobradinha na classe GT1 para dois McLaren. No entanto, ao contrário da versão curta do carro, esta revelou-se bem menos fiável, pois apenas estes dois carros atingiram o final, desistindo os restantes quatro carros.

A família completa de estrada e competição

Em outras competições destaque para os títulos no campeonato BPR de 1995 e 1996, vencendo 10 em 12 corridas em 95 e venceram 7 corridas em 11 em 1996, sendo que 3 outras vitórias foram alcançadas pelo Porsche 911 GT1 que não pontuava para o campeonato e os Ferrari F40 tiveram a sua solitária vitória em Anderstorp tal como em 1995.

Em 1997 com a passagem a campeonato FIA e a entrada da Mercedes, Panoz e Lotus com verdadeiros protótipos, tal como o Porsche GT1, de que foram construídas apenas as 25 unidades de homologação as dificuldades aumentaram pois, apesar da nova carroçaria, a mecânica era de um carro de estrada de 1991. Ainda assim venceram 5 provas contra 6 da Mercedes que, aproveitando uma abébia do regulamento colocava o seu piloto de ponta Bernd Schneider num dos outros CLK-GTR quando o seu carro tinha problemas, no que ficou conhecido entre a concorrência por Schneider Taxi Service, acabando este por se sagrar campeão à frente da dupla do McLaren número 8, Steve Soper e JJ Lehto. Com isto tudo no final do ano a McLaren retirou-se oficialmente do campeonato.

A versão JGTC, a última em actividade

Noutras competições destaque para as vitórias nos campeonatos britânico em 1996 e 1998 e japonês em 1996, neste caso sendo o primeiro carro não nipónico a alcançar o título. Aliás, com o final da categoria GT1 neste formato, o campeonato japonês foi o último local onde se pôde ver o F1 a correr, mantendo-se em actividade até final de 2003, tendo conquistado a última vitória em 2001, contra carros bem mais recentes, com um pormenor interessante, porque havia um piloto português ao volante, o luso-macaense André Couto foi um dos pilotos que conduziu o carro com o chassis #019, o primeiro construído com as especificações de 1997 à vitória no circuito de Mine.

O passado e o futuro, o F1 e o MP4-12C que deverá ser colcoado à venda em 2011, igualmente potente mas bem menos exclusivo e exótico, deverá ser colocado à venda a um preço 6 vezes inferior ao antecessor

2 comentários:

  1. Boas.

    Mais um excelente artigo: belo tema e redacção impecável. Parabéns Pedro!

    Grande abraço.

    MPQ

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  2. Parabéns pela qualidade do artigo ! Muito interessante e informativo !
    saudações

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